sexta-feira, 31 de maio de 2013

Yoga e eu

União
Esta é a história de como o Yoga me encontrou. Em 2008 comecei a dar aulas de inglês e essa tem sido minha profissão e parte de minha identidade desde então. Trabalhei em diversos lugares e por isso conheci muitas pessoas.
Em 2012, um dos alunos que tive a oportunidade de conhecer disse que sua esposa precisava de aulas particulares. Eu sabia que ela era professora de Yoga e havíamos mencionado a possibilidade de escambo de aulas. Dei meu telefone e esperei pela ligação dela. Ela não ligou.
Apesar de sentir grande simpatia por ele, não conhecia sua esposa e passou por minha cabeça que ela talvez não estivesse interessada e que ele poderia estar pressionando-a contra sua vontade. Na semana seguinte, ele me perguntou se ela havia ligado, e, quando eu lhe respondi que não, pareceu decepcionado. O mesmo sucedeu por mais uma ou duas semanas, e ele mencionou por alto que ela não ligaria e que seria melhor se eu ligasse. Por sua insistência peguei o número e, creio que na mesma semana, telefonei.
Fiquei um pouco apreensiva, temia que não houvesse afinidade entre nós. Quando atendeu e me apresentei ela foi extremamente simpática e amigável. Combinamos um horário, concordamos em trocar aulas e quando desligamos o telefone, senti uma vibração boa.
Preparei sua primeira aula de acordo com seus objetivos, com vocabulário e expressões que ela poderia usar dentro do universo do Yoga. Tenho quase certeza de que incluí a palavra “knee”- joelho no vocabulário da aula. Mal sabia que ela já havia lido diversos guias de anatomia em inglês e sabia muito mais vocabulário que eu nessa área. Ela havia me falado que seu inglês era básico. Um grande exagero de modéstia. Apesar disso, ela repetiu o vocabulário humildemente, como se a palavra realmente fosse nova para ela, ou se a pronúncia lhe fosse nova. Fui conhecendo seu potencial e suas dificuldades.
Não sabia exatamente o que esperar da aula de Yoga. Não sabia o que era ou como era. Fiz uma pesquisa e até incluí um vídeo em inglês na aula. (Ela detestou o vídeo pois a praticante estava, segundo ela, completamente torta.) Ela colocava a mão no rosto e fazia caretas como se assistisse a um filme de terror. Foi engraçado.
Depois da aula de inglês foi a minha vez. Ela me ensinou movimentos básicos que eram extremamente difíceis de executar. Movimentos que eu nunca havia feito antes, como controlar e levantar os arcos dos pés, por exemplo. E, em pé, parada, eu suava e segurava a respiração tamanho o esforço que eu tinha de fazer para simplesmente alinhar meu corpo e levantar os arcos dos pés.
Devo ressaltar que eu não era sedentária mas estava lidando com músculos do meu corpo que ainda não conhecia, não tinha intimidade e sequer considerava poder controlar.
No começo foi muito difícil. Lembro de suar, sofrer e pensar que era muito chato ficar tentando acordar músculos e mexer ossos e articulações que dormiam há anos.
Depois ficou mais difícil ainda. Aparentemente, quanto maior seu controle sobre seu corpo, mais difíceis serão as posturas que você terá de executar, não por serem posturas mais complexas, mas porque você deverá fazê-las melhor que antes.
Imagine que você deve sentar-se de pernas cruzadas, com as palmas das mãos unidas em frente ao peito e fechar os olhos. Simples, não? Talvez, mas se você está aprendendo Iyengar Yoga e sua professora é uma perfeccionista viciada em alinhamento, vai ser bem mais complexo. Imagine que você deve distribuir o peso do corpo sobre os ísquios, os ossos de apoio que você nunca percebeu que tinha porque nunca sentou-se direito. Depois disso, concentre-se em manter o sacro (um conjunto de vértebras fundidas a quem você não havia sido apresentado antes) alinhado com a coluna lombar e as outras colunas até o topo da cabeça. As escápulas devem ficar encaixadas, o pescoço alongado, as costelas devem ficar perpendiculares ao chão, sem saltarem para fora. Tente relaxar os olhos, os pés e não contrair nada. Esse esforço deverá trazer relaxamento. Não se esqueça de respirar. Só que parece que quando você conserta uma coisa, outra sai do lugar. Respirar é a última de suas preocupações.
Como eu disse, vai ficando cada vez mais difícil, mas o que muda é sua forma de encarar a dificuldade. Passei a ver os desafios como necessários para a saúde do corpo, e passei a nutrir uma grande vontade de evoluir na prática.
Yoga significa união e busca unir o corpo, a mente e o espírito. A princípio, é realmente  incrível como temos pouco controle sobre alguns músculos, como se a mente e o corpo não se conhecessem apesar de morarem na mesma casa. O Yoga os apresenta e os estimula a interagirem entre si, criando oportunidades para que eles se ajudem a evoluir.
Aprendi a ter paciência com meu corpo e a compreender suas limitações. Comecei a buscar o equilíbrio entre se esforçar para evoluir e a respeitar a necessidade de descanso.  Hoje sei que preciso acordar meu corpo, tirá-lo da zona de conforto, tolerar algumas dores para alongar músculos que estavam quase  atrofiados. Descobri que meu corpo faz parte de minha personalidade e de quem sou. Que meus medos, inseguranças e ego estão impressos na forma como me sento, ando e falo. E se mudo a forma como me movo, mudo minha personalidade.


Algumas posturas nos assustam à primeira vista. Tenho medo de ficar de cabeça para baixo, apoiada nas mãos e na parede. Porém, quando me proponho a vencer meu medo, estou trabalhando a minha coragem, minha capacidade de priorizar meu objetivo além do medo.
Qual é a diferença entre o medo de fazer uma postura difícil e o de enfrentar uma situação difícil?  Muitas vezes não sabemos sequer o que nos assusta de fato, e é importante confiar em si mesmo e se permitir arriscar-se.
Em algumas posturas, aprendemos a manter os pés firmes no chão enquanto esticamos as mãos para o céu, buscando o equilíbrio entre o céu e a terra, entre o que se tem e o que se quer, entre o concreto e o abstrato.
Em todas as posturas que trabalham um lado especifico do corpo, trabalha-se o outro lado da mesma forma, e isso nos ajuda a ter paciência, experimentar a oposição e avaliar as diferenças e dificuldades que cada lado apresenta, sem negligenciar um ou o outro.
Há posturas em que olhamos para cima, para os dois lados, para trás, para frente, para baixo, e há aquelas em que estamos invertidos e precisamos reestabelecer todas as referências  de onde estamos e do que estamos vendo. Em algumas posturas ficamos em posição de imponência, coragem, força, em outras assumimos posições humildes e submissas, e percebemos que para aprender qualquer coisa precisamos nos aceitar como ignorantes e ter humildade.
Há posturas que nos relaxam, que nos transformam em pessoas mais flexíveis, mais abertas. Buscamos o equilíbrio, a firmeza, o desapego, a entrega. Sobretudo, em quase todas as posturas, olhamos para nós mesmos e analisamos o que estamos fazendo errado, o que precisamos mudar em nós, como podemos evoluir, e, na prática, começamos a mudar: tentamos ter o peito mais aberto, o olhar mais sereno, o corpo mais relaxado, a musculatura menos dura, mais alinhada, mais equilibrada. Admitimos, de verdade, que temos imperfeições e começamos a trabalhar nelas imediatamente. Buscamos conhecer quem somos e nos dispomos a melhorar o que podemos com paciência, gentileza e aos poucos.
Sexta-feira, dia 5 de abril de 2013, minha professora –que, depois de quase um ano se tornou minha amiga, minha mãe, uma de minhas inspirações- resolveu abrir meus ombros e meu peito. Trabalhamos arduamente, exigindo o máximo que eu podia pedir a meus ombros, ela comentara que meus ombros eram muito fechados, que carregavam muito peso.
Conforme eu ia abrindo os ombros ia ficando vulnerável e pela primeira vez achei que minha professora estava sendo cruel comigo. Comecei a ter várias impressões incoerentes como por exemplo, que ela estava com raiva de mim. Fui ficando sensível e magoada, comecei a me abrir, parei de me defender de tudo e, em Trikonasana (a postura do triângulo), quando abri o ombro esquerdo pela centésima vez comecei a chorar.
Não sabia porque estava chorando, ela me abraçou por algum tempo e depois fizemos umas torções para que eu me sentisse melhor.
Nos ombros carregamos o peso do mundo, de nossas responsabilidades, e creio que algumas defesas. Ela me disse que o caso mais comum era chorar com posturas que abrem bem o peito, pois no peito ficam alojadas mágoas e angústias e que ela conhecia muitos professores, além dela própria, que haviam chorado, geralmente quando a aula era intensa.
Agora sei que chorei não porque abri o peito, mas porque liberei os ombros. Chorei por deixar cair responsabilidades e medos que sempre carreguei comigo, chorei porque o mundo é injusto demais e ainda não consegui mudá-lo. A prática me ensina que esse peso é demais para mim e que tudo bem se eu não carregá-lo.
Por ser uma pessoa um tanto cética sempre soube que jamais uma religião poderia me trazer paz interior e sempre pensei nisso como uma infelicidade. Não sabia o que poderia me fazer evoluir, me mudar, me trazer sabedoria e humildade, me ajudar a ponderar sobre o verdadeiro valor das coisas, me ajudar a ser menos egoísta, a querer mudar. Acho que Deus, meu Karma, o Universo ou o Destino sabiam e trouxeram para mim.


ponte de pés desalinhados
Estou no começo do caminho, mas tenho prestado atenção e tenho aprendido a praticar comigo a mesma gentileza que ofereço àqueles que amo. Percebo que sou um grão de areia que, apesar do tamanho, busca ser melhor para si e para o mundo, e foi assim que percebi que o corpo, a mente e o espírito são uma coisa só. São acessíveis e podem mudar. Perguntei a um amigo (futuro médico) por que o corpo chora. Aparentemente, chorar não tem uma função, é uma consequência, portanto concluo que é nosso corpo falando por nós, é o que sentimos e o que pensamos transbordando para o plano físico.