domingo, 19 de dezembro de 2010

O maior Natal do Brasil

Primeiro gostaria de agradecer à minha amiga Beatriz Cecchetti pela inspiração, confiança e permissão para escrever esse conto. Eu me sinto realmente privilegiada por ter pessoas tão autênticas em minha vida. Obrigada, Bia.

O maior Natal do Brasil
“Com licença, o senhor sabe me dizer o preço desse ventilador?”- Ela perguntou ao homem que estava atrás do balcão.- “Ah, a senhora se incomoda em checar o preço na máquina? Eu preciso terminar isso aqui pra ontem.” - Respondeu ele enquanto cortava códigos de barras. Ela não queria se deixar irritar. Levou a caixa do ventilador até a máquina e fez isso diversas vezes para comparar os preços de diferentes ventiladores. Escolheu o produto que queria e levou-o até um outro balcão onde estava uma mulher com o uniforme da loja. Colocou o ventilador sobre o balcão e olhou para a mulher com expectativa. A mulher a olhou com as sobrancelhas erguidas, empurrou a caixa de papelão com as pontas dos dedos de modo que ela se moveu em direção à cliente e disse: “Eu não sou caixa não.” Seu uniforme tinha um crachá de gerente. Irritada, ela pegou a caixa e procurou forças para se desculpar. A mulher complementou: “Tem caixa ali, ó!” E apontou a direção com o queixo. Ela agradeceu pela ajuda e levou o ventilador ao caixa que era caixa de fato.

Seu ventilador era o último da loja e a caixa estava aberta. O homem pegou um grande rolo de fita adesiva para fechá-la e tentou descolar a ponta da fita adesiva do rolo com as unhas. Foi então que percebeu que ele quase não tinha unhas. Seu dedos tinham as pontas redondas e as unhas eram roídas até o que seria metade do tamanho normal. Ele arrastou a cabeça do dedo indicador no rolo de fita mas não conseguiu descolá-la. Tentou mais duas vezes fazendo força com o dedo mas a fita se recusava a descolar do rolo. Resolveu tentar descolar a fita com o dedo médio, mas sua unha era igualmente curta e débil, inofensiva à fita. Ela respirava lentamente, esperando. Em volta, a loja era nova e havia uma grande pilha de bonecas Barbie do seu lado direito e uma de laptops da Xuxa do lado esquerdo.

Depois de algum tempo, ela não sabia ao certo quanto, o funcionário conseguiu lacrar a caixa e lhe disse o preço. Deu o dinheiro, ao que o funcionário perguntou se poderia ficar lhe devendo dois centavos. Ela respondeu que sim, abaixando e levantando a cabeça lentamente, os olhos estreitos como quem sente um sono irremediável, sobrancelhas erguidas e testa franzida para expressar sua total despreocupação. Ele lhe entregou a nota fiscal e pôs o produto em uma sacola. Ela pegou o saco, colocou-o no chão, deu um passo para trás, olhou as pilhas de brinquedos e abriu os braços em um movimento exato. Caíram caixas e mais caixas cor-de-rosa pelo chão da loja.

O barulho era caótico e ela olhava o homem no caixa com serenidade: sem piscar, o rosto tranquilo. Os funcionários e outros clientes olhavam mas ela havia encontrado algo valioso no caos. Não se incomodou. Silêncio. Os funcionários da loja olhavam para a gerente esperando por alguma reação, qualquer que fosse. Ela olhou a mulher e disse “Obrigada!” com visível irritação. Ao que a outra respondeu: “Que é isso, amor! Obrigada a você, pelo atendimento!”

Quando saiu da loja já não era mais a mesma mulher que era quando entrara, ou talvez tivesse somente mais autoconhecimento.

domingo, 22 de agosto de 2010

Os pombos, tais como aquele rato ruivo



Andando pela rua vi pombos, quando lhes dei mais atenção percebi que um deles estava machucado, sua cabeça estava depenada em alguns pontos, deixando-o absurdamente asqueroso. Quis que o pombo não existisse. Quis não tê-lo nunca visto. Por que eu deveria ver um pombo careca e tão horrível? A feiúra do mundo me inquietou e incomodou, me senti violentada por ela. Seria mais fácil se o pombo não existisse. Mas acontece que ele existe, e me seria impossível amar realmente o mundo se eu não entendesse a existência do pombo. Penso em resoluções que preciso fazer e concluo que talvez e provavelmente eu seja para o pombo o que ele é para mim. Talvez eu ameace sua paisagem, eu, humana, sendo a minha existência absolutamente desagradável, sendo a minha raça a responsável pelo desequilíbrio do que um dia fora mais simples e melhor, menos sujo. Qual seria o habitat natural dos pombos? Que tipo de território deveriam os ancestrais dos pombos frequentar? Antes que criássemos a tão estimada "cidade"? Percebi uma urgência em questionar o que me faz pensar que o lugar aonde piso é meu e que o pombo é um intruso e não o contrário. Procurei imagens de pombos na internet para ilustrar o post. Não encontrei pombos asquerosos como eles ainda me parecem, encontrei pombos lindamente fotografados. O que me faz pensar que tudo é uma questão de perspectiva, qualquer coisa pode ser personagem principal. Encontrei também essa foto que me pareceu ilustrar o pombo como figura central e um homem em segundo plano. Imaginei o pombo como igual a mim, a questionar a existência do que nos é estranho. Depois ri, pensando no que o pombo poderia estar planejando. Não consegui saber de quem é a foto, estava em um outro blog de nome zeb.blogs.sapo.pt, então faço aqui a referência.
Estou pensando nos pombos.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Pensamentos Recentes

Hoje vi uma mulher com dois peitos. Ora, mas é claro que eram dois! Quando voce diz a alguém que viu peitos, a pergunta que se faz é "Onde?" e nao "Quantos?"...
Mas digo que ela tinha dois devido à enorme diferença de tamanho entre eles, o que os individualizava, um era absurdamente grande e o outro era grande. Pensei que isso era normal, que toda mulher tem seios de tamanhos diferentes, mas aquela mulher, coitada...
Ouvi também uma frase que me fez pensar. Um homem disse: "Olha o tamanho do Churros!"
Qual é o o singular da palavra churros? Todo mundo os chama de churros. Odeio churros. Eles sao bonitos, cobertos com canela e dourados, recheados de doce de leite ou chocolate. Da vontade de experimentar. Uma vez comprei um, odiei. Extremamente gorduroso, quente demais, doce demais, desagradavel mesmo. Comi até o final porque eu sou teimosa. Ou talvez por que eu tenha algum tipo de transtorno alimentar. Depois, outro dia, esqueci que nao gostava, eles sao tao bonitos... Comprei outro. Dessa vez de chocolate. Odiei mais ainda. Comi até o final. Cara, sério: transtorno alimentar!
Tenho passado muito tempo sozinha, e estou começando a me cansar da minha companhia, eu sou legal, ok... mas quero inovar, conversar com outras pessoas além de mim. Eu sempre concordo comigo e isso é chato. Mas tenho assistido a filmes novos, mais documentarios e tenho ficado meio desesperada com o mundo, o capitalismo, a manipulaçao das massas, o consumismo por si mesmo, a exploraçao e comercializaçao do meio ambiente e de valores antigos. Um aluno meu gravou dois documentarios para mim: SURPLUS e ZEITGEIST. Depois de Surplus eu queria quebrar tudo que representa o capitalismo e ir para um pais socialista comer so arroz e feijao todo o dia sem sentir o peso da fome dos pobres, da desigualdade social. Depois de ZEITGEIST eu queria simplesmente morrer. Sao otimos filmes. Recomendo.
Descobri que eu tinha um medo enorme de querer pouco da vida, de querer de menos. Mas hoje eu vejo como so o necessario é realmente essencial. Querer MENOS é ser mais independente, logicamente falando, precisar de menos é ser mais. Um exemplo tosco: um copo de agua de coco custa R$ 1,00, uma garrafa de 500ml custa R$3,00. Eu sempre optaria pela garrafa. Hoje comprei o copo. Por que foi que enfiaram na minha cabeça que "vale mais a pena comprar o maior"? Eu estava sozinha, so precisava de um copo para matar minha sede. Para que comprar a garrafa e desperdiçar ou guarda-la e deixa-la perder a frescura? Por que vamos a rodizios e comemos até passar mal? Da penultima vez que fui a um, comi muito mais do que o meu estomago queria deixar, passei mal, nao conseguia dormir e quando dormi tive pesadelos horriveis (tem tudo a ver, por sinal) e começo a me perguntar POR QUE temos a mentalidade do "dar prejuizo"? Por que sentimos que esse sistema se aproveita de nos, que nos explora, e essa é a nossa "vingança". Consumir até passar mal. Desde quando eu acreditei que MAIS era melhor?
Hoje eu percebo que nao é, e é tao injusto que sejamos tao instigados a consumir e comprar e comer e ainda caber nos malditos padroes de beleza. Por que eu tenho que ser alta e ter pernas longas e ser absurdamente magra e com um nariz desenhado a pincel? Para que alguem me VENDA uma cirurgia plastica. Meus amigos estavam me falando que ninguem deixa de gostar de ninguem por causa de celulites e estrias. Outra amiga me contou do cara na academia dela que malhava e tirava fotos de si mesmo. E eu nao consigo parar de pensar que isso esta errado. Mas ja passei da fase do "nao posso fazer nada, vou viver a minha vida" agora eu quero fazer alguma coisa a respeito. Quando eu descobrir, eu aviso.
;)

sábado, 22 de maio de 2010

Água



Tudo o que eu sinto é líquido. Líquido não fosse não transbordaria de mim como água salgada.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Para vocês, amigos

Sabe, a leitura sempre me fez bem, e escrever é um grande exercício. Como diria meu grande amigo Guilherme Lopes, escrever é extrair algum efeito estético da feiúra dos nossos dias, note que estou parafraseando... Mas meus dias não são feios. Eles começam escuros às cinco da manhã quando acordo, rendem nas minhas manhãs em Niterói no trabalho, esquentam durante a tarde no sol implacável de São Gonça, descansam à noite, quando eu penso mais claramente. Sou noite.
Escrevo quando dá tempo e quando as palavras já se rebelam dentro de mim. Às vezes sinto vergonha porque o que eu escrevo é meu. Meu idioma, minha forma de juntar as palavras em sentenças e essas sempre em textos curtos. Sempre curtos. Um grande prazer é pegar um texto como Joana, por exemplo, não me reconhecer ali, ler frases que me agradam e pensar, "nossa, mas como isso soa bem, fui eu mesma que escrevi?" Claro que o texto me agrada. Ele fala minha língua.
Melhor ainda é ler textos como os de Gui Lopes, Raquel Fernandes, Thamiris Oliveira e pensar: "mas que coisa linda! Também eles falam a minha língua. Sentem o mundo como eu."
É importante cuidar de nossos textos, corrigi-los, como guardar brinquedos para que durem mais. Para que não percam o brilho. Aqui cito Sra. Fernandes, 2010. É importante escrever para nossos amigos, com o mesmo esmero que se faz um texto, com o mesmo carinho que se guarda o melhor brinquedo.
Faz tempo que quero escrever para meus amigos uma grande carta de agradecimento, por me fazerem lembrar o que existe de bom em mim. Eles me escrevem cartas. Eles me dão abraços, me perguntam sobre minhas angústias. Eles bebem comigo.
Obrigada, amigos.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Death and all his friends...

She said to me, very calmly:
"Feelings fade. They die, and so do people. The sun rises and it goes so high in the sky that it turns into nightfall."
"But, to try..." But she would not let me speak any further.
"Doing your best, even when that is all you can do, is not enough. You can not try to swim faster than water, you can't try to hold the sun up in the sky, it would burn you without any mercy. Because you are in it. You are in water, you cannot fight it, but you don't have to drown. And I know that you believed what you did would be enough... I mean, you did great, but you were not even close. I told you, girl. I know how smart you are. Do not believe in lies..."
"They were so sweet, so easy to believe in..."

sábado, 24 de abril de 2010

Adrenalina, medo, realidade e relatividade

Pedro de Carvalho, Méier, RJ. 5:30am.
Estava andando até o ponto de ônibus para pegar o 232, pararia na frente do prédio em que morei durante os dez primeiros anos da minha vida. Pensei no perigo, mas é sábado. Os bandidos ainda devem estar dormindo, de folga. Hoje sonhei que quase tinha sido assaltada. Um homem tentou me abordar, mas o pessoal do taekwondo me salvou. Não pratico Taekwondo desde 2007, 2008. Estranho sonhar com eles. Nos meus sonhos eu sempre travo, fico em choque, a voz não sai... É bem ruim sonhar esse tipo de coisa. Enquanto caminhava mentalizei que nada aconteceria comigo. Um grupo de três pessoas me perguntou alguma coisa e continuei a andar, como na maioria das vezes faço. Depois de alguns segundos percebi que tinham me perguntado as horas. "São 5:35. Desculpa, eu não tinha ouvido, tô com sono..." E ri. Continuei andando até o ponto e eles agradeceram e disseram que já iam me xingar ou pensar mal de mim, sei lá. Porque eu não havia respondido. Andando para o ponto vi um cachorro enorme. Me perguntei o que era aquilo. Deveria ser um São Bernardo, me aproximei mais, o pêlo brilhava e era curto, o rabo era fino e vi que não era São Bernardo coisa nenhuma, era um porco. Um porco enorme, o que ele estava fazendo lá eu não sei. Sei que atravessou a rua e eu ri, porque achei engraçado o fato de a primeira vez de eu ter visto um porco adulto de verdade ter sido no meio da rua, na capital do Rio. Duas mulheres se aproximaram de mim. "Vamos sentar aqui e esperar o ônibus." Fiquei um pouco tensa, mas não me movi. "Você tem horas aí? Que horas são?" Essa das horas está ficando velha, na hora lembrei de um amigo da faculdade, o Felipe. Ele é um doce de pessoa, super educado, e me contou que uma vez perguntara as horas para uma mulher na rua, e ela começara a correr. Eu ri muito. Agora não era engraçado. "São 5:40." Eu respondi, seca. "Chega aqui perto de mim pra eu ver as horas no seu relógio." Enquanto falou tinha um olhar de algo que eu não via há muito tempo. Talvez nunca tivesse visto antes. "Não, eu tô muito bem aqui, são 5:40." Ela estava a um metro de mim, reparei que não carregava nada consigo. A outra mulher não falava nada, nem lembro de seu rosto. Na verdade, esqueci todos os rostos que vi nessa manhã. Ela insistiu. "Vem aqui pra eu ver as horas..." Eu tinha que pegar o ônibus para ir pro trabalho, pensei em esperar naquele mesmo ponto. Só sabia de mais um ponto de ônibus, e então eu sinceramente não me lembro o que foi. Se foi uma voz, um impluso, uma outra coisa. "Corre." Eu saí correndo. Corria pela Pedro de Carvalho e pensei em voltar pra casa, mas não teria tempo de abrir o portão antes que elas me alcançassem... Não! Eu tenho que ir pro trabalho! Os pensamentos voavam pela minha cabeça, eu não sabia se elas estavam vindo atrás de mim, eu não tinha coragem de olhar para trás. Havia pouquíssimas pessoas na rua, e elas não sabiam porque eu estava correndo. Corri até que minhas pernas começaram a doer e eu desacelerei. Começei a andar num ritmo ainda rápido, quase chorando, completamente tensa, mal conseguia respirar. Andei assim por algum tempo. Ouvi passos, olhei para trás e uma delas vinha atrás de mim correndo, segurei a mochila com força e corri, começei a gritar e saiu da minha garganta uma voz que eu não conheci, era rouca, completamente distorcida e arranhava a minha garganta e me assustava, eu gritava "socorro", eu nunca havia gritado essa palavra na minha vida, e o que ela significa afinal? Ninguém veio. Aquele porco era um mau agouro. Eu gritava por socorro, gritava por puro desespero, daqueles bem fortes, puro, antes de refinar. Essência mesmo. Desespero concentrado. Um homem perguntou o que foi, mas quem era ele e o que ele fazia ali antes das seis da manhã? "Estão vindo atrás de mim!" Eu tentei dizer, mas acho que não saiu bem assim, eu não respirava direito. Acho que quando eu começei a gritar ela desistiu, não sei, continuei correndo até o fim da rua, eu não olhei para trás, mas senti que ela não estava mais me seguindo, uma mulher me viu correndo, me perguntou o que havia acontecido e eu disse "quase fui assaltada agora" e ofegava enquanto continuava a correr, perguntei aonde era o ponto de ônibus, ela respondeu. Quando cheguei lá ainda aspirava o ar como se nunca houvesse respirado, e uma outra mulher me perguntou se eu estava passando mal. Disse que quase havia sido assaltada, ela comentou que eu não devia ir até lá, porque era muito perigoso. Eu estava completamente tensa, e quando as pessoas que estavam lá pegaram seus respectivos ônibus eu senti medo por estar ainda mais sozinha. O 260 enfim chegou, depois do que me pareceu uma eternidade. E só então eu começei a pensar nas coisas que eu levava na bolsa. Elas levariam meu Rio Card, levariam minhas chaves e eu não teria como ir pra casa porque a vila so abriria mais tarde e na república as pessoas que moram comigo só chegariam segunda-feira. Levariam o meu celular com todos os meus contatos, meu estojo com os dados do Luiz. A chave que abre o armário do trabalho também. Levariam meu cartão do banco, meus óculos escuros e minha agenda, mas não que eu estivesse ligando muito para nada disso, eu só queria me sentir segura de novo, parar de ter medo. Indo para as barcas um homem tropeçou ao meu lado, e eu por reflexo segurei a bolsa e me afastei para o lado, como um bicho-do-mato mesmo. Arisca. Eu me perguntava quando esse medo ia passar. Queria falar com a minha mãe. Lembro que quando era criança, antes mesmo de nos mudarmos do Rio meu pai me perguntou o que eu faria se viesse alguém na minha direção me fazer mal. Eu lembro de responder "dou um chute no saco!" Ele falava, decepcionado: "Não! ...Você corre, se você correr, ninguém nunca vai te pegar" e eu, contrariada porque não dera a resposta que ele queria completava, "tá bom, mas antes de correr eu dou um chute no saco!" Ele então aprovava. Eu nunca pensei que poderia me sentir tão vulnerável, tão mortal. Pensava que meu pais sempre me protegeriam. Cheguei em Niterói, e ainda sentia como se todas as pessoas em volta fossem me atacar subitamente. Tinha que ir ao banco. Havia duas mulheres sentadas nos degraus do Banco Real da praça do Rinque, e é claro que em vez de ir ao banco eu entrei na padaria. Pedi um suco de laranja que eu não queria tomar, mas ainda eram 7 horas e o curso só abriria às quinze para as oito. Logo chegou a Luciana na padaria também. Ela trabalha comigo e foi a primeira pessoa a saber do que quase aconteceu comigo. Ela me abraçou e ouviu. Ela já foi assaltada, mas teve menos sorte, o homem que a assaltou deu um soco no rosto dela. Eu já sabia dessa história, e sabia que era muito pior do que a minha. E depois de alguns minutos estávamos rindo das situações. Acho que isso só deve acontecer aqui no Brasil. Levamos tudo de um jeito tão leve, a violência nos é tão comum que rimos dela. Ter medo tornou-se corriqueiro, rotina, banal. Acho que a Saci-(minha amiga que me ajuda a perceber o que é normal e o que é coisa de brasileiro) nunca riria numa situação dessas. A Saci (lê-se: "shótsi") é Húngara, então para ela é mais fácil visualizar esses fenômenos culturais. Enfim, pensei um pouco nisso e fiquei um pouco chateada quando minha prima riu quando eu disse que gritei desesperada pela rua. Mas é compreensível. Afinal, não aconteceu nada. Pelo lado Polyanna-visualizando o lado positivo- fiquei feliz porque eu reagi e não congelei como sempre pensara que faria numa situação de perigo, fiquei feliz porque a voz saiu quando pensei que não sairia, e também porque agora tenho certeza que se ela viesse me agredir eu saberia me defender. Me defenderia como me ensinou o Mestre Murilo. No taekwondo há uma filosofia de nunca recuar perante o inimigo, o que é exatamente o oposto do que eu fiz, mas acho que foi a melhor solução...
Este relato é todo verídico, incluindo o sonho, e tudo aconteceu esta manhã. Agradeço a Deus por ter me dado a adrenalina necessária para correr tanto, a voz pra gritar igual a uma louca, e a maturidade para entender que isso foi um aprendizado, pois eu não vou mais pegar o 232 e vou passar a ser mais alerta, e dividir minhas coisas em vários bolsos. Além de usar menos relógio. E saber que há pessoas passando por coisas piores do que eu, que vão além da minha compreensão, como aquele olhar da mulher que queria tanto ver as horas no meu relógio. Era um olhar de malícia, de um mundo que eu não conheço, que não é "a minha realidade". Chamei-a de mulher o tempo todo, e pode parecer que ela é bem mais velha do que eu, mas ela deve ter mais ou menos 25 anos. Pensei muito nesse conceito de realidade. Do que é real para mim e não é real para ela. As coisas que ela não levou de mim. Que não são realidade. As coisas que ela não teve, e penso que eu queria, mas queria mesmo, que ela pudesse ter tudo o que eu tenho, e não fosse real para ela a vontade de tirar qualquer coisa de alguém. Queria que não fosse real para mim sentir tanto medo, e para ela causar tanto medo. É difícil entender, mas acho que ela não vê as coisas como eu vejo, ela não teve a oportunidade e nenhum incentivo para pensar um dia ser capaz de comprar o próprio relógio. A realidade é desigual, e está extremamente ligada à relatividade. Pensemos no certo ou errado e nas realidades relativas. É errado que ela queira roubar o meu relógio. Mas também é errado que ela não tenha condições de comprar um. É errado que eu tenha um e ela não. Estou falando de distribuição de renda, de desigualdade social, dessa nossa ideologia burguesa de que não há lugar para todos, de que temos sorte, de que ser pobre é carma e de que não há oportunidades, o que gera inveja e frustração. Vejo que haveria oportunidade se soubéssemos partilhar. Fecho o post então com uma pergunta: A culpa é de quem?

sábado, 10 de abril de 2010

Joana

Ela queria porque queria. Escreveu um poema sobre si, sobre o outro e tudo o que havia acontecido entre eles. Li o poema e sorri calado. Me incomodava, mas era pouco. Não sei se me apaixonei por ela ou pelos poemas, acho que foram os versos declamados saídos de sua boca volumosa e sorridente, dizendo coisas de sexo e beleza, os olhos doce-de-leite brilhantes, cor de âmbar e sempre espertos sorriam amores passados e orgulho dos seus versos.

A amei quando começou a declamar em público. E Joana não cabia em si, não se pertencia, pertencia a eles. A todos nós. A personalidade geralmente forte sucumbia aos elogios em sorrisos mudos. Um homem havia chorado por um poema, chorara por ela e agora a elogiava. Ela era um dos poetas mais respeitados do evento. Lembro de uma vez em que nos amamos e conversamos despidos de tudo. Ela tinha uma leveza em todas as ações, como se fosse natural, mas Joana era uma atriz. Nunca sabia se deveria acreditar nela. 

Sei que estava comigo porque queria, como também sei que houve vezes em que ela fingia que aquilo não era nada. Como se nada para ela fosse nada demais. Sempre que falava pouco era porque tinha milhões de pensamentos turvos. Às vezes acho que duvidava de mim. Eu sempre duvidava dela, daqueles olhos doces cheios de promessas que sua boca se negava a fazer. Ela sempre se fazia leve como música. Um dia sentei-me no meio fio da calçada. Era uma manhã fresca, com uma brisa leve e gelada, sentia-me vazio, até começar a ouvir uma canção. A música me preencheu, ainda estava só, mas nunca tão bem, em equilíbrio comigo mesmo. Joana era assim. Me invadia, e eu me fazia feliz ou melancólico conforme o ritmo em que cantava. Me era saudável vê-la feliz. Chorava como uma criança de modo a me desconcertar, desmanchava-se, destruía-me o seu rosto vermelho das lágrimas. As lágrimas e aquela outra coisa que existe no choro, substância invisível, que sufoca o peito, altamente contagiosa para mim. 

Ela era brisa leve, quando me levava para si. E era tornado. Parecia estar sempre cercada de rapazes e homens interessados, como se farejassem sua essência e desprezassem sua alma. Sempre achei que Joana flertava com o mundo, isso fazia bem para ela.Havia mil coisas que eu queria dizer, ela deitada no meu peito. "Você é especial, sabia?" eu pensava tanto nela, ainda penso. E foi só isso que eu disse. Como muitos homens poderiam ter dito, sem lirismo ou rimas, sem sonoridade, fato cru para quem escrevia poemas. Alguma coisa acontecia comigo. Eu tinha medo dela e de tudo que ela me causava. Essa força que ela tinha sobre o mundo, sobre a minha vontade. Ter força sobre a vontade do outro é infinitamente mais poderoso do que ter controle sobre ele.Não busco uma mulher como as pessoas fazem. Não listo qualidades que estimo, na verdade, isso não me importa, nunca me importou. Veja bem, não estou dizendo que ela não possuía qualidades que admiro, digo que Joana me levou porque me desconcertava. São raras as mulheres que admitem fazer sexo, quantas menos as que admitem gostar dele. E Joana tinha o cheiro da volúpia."Você é especial, sabia?" "É?" Ela disse. E sorriu.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O INFINITO

Ontem à tarde liguei para minha mãe chorando. Bem, digamos com um belíssimo eufemismo que eu tenho um grau de sensibilidade um tanto elevado. Chorar é bom pra mim porque me coloca no eixo, me equilibra porque eu exalo aquilo que me desconforta. Ela me ajudou, me deu chão, e ficou de ligar depois para ver como eu estava. Quando ela ligou mais tarde, à noite, eu já estava bem mais tranquila. E ela me disse para olhar o meu e-mail. Quem me conhece sabe que eu sou inquieta e curiosa. Começou a falar, agora termine, oras. Ela me contou que foi almoçar com as amigas e quando ela se despediu: "Então tá, gente, é melhor eu ir embora, tá tarde, bla bla bla..." ela ouviu uma belíssima resposta: "Você não vai a lugar nenhum, não antes da gente fazer a nossa tattoo!"
Eu senti o meu queixo cair. "SÉRIO???"
"Sério?????"
"Sério???????????"
Era sério.
"Sério!"
Vieram as perguntas clássicas: "fez aonde?" "O que é?" "Doeu?"
Minha mãe fez uma tatuagem. "Pára! Shut up!" Adorei a notícia! Elas tatuaram o infinito. Uma amizade infinita, inabalável, imperecível pelo tempo ou a distância. Hoje abri o e-mail e vi as fotos. Estão ótimas, minha mãe estampa um sorriso que eu não via há muito tempo, elas sofreram com a tatuagem de dois centímetros, mas estão todas muito felizes. Brinquei com minha mãe, "Tia Cristina vai falar muito de você" e ela: "Ela me perguntou quantos anos eu tinha..." Achei ótimo. Não sei exatamente quantos anos minha mãe tem, mas não importa, minha mãe é infinita. Essa tatuagem me diz muito mais do que amizade. Enquanto o belíssimo oito deitado denota a eternidade, percebo que essa mulher que é tão maravilhosa, que eu amo tanto, é infinita em mim. E com certeza essas mulheres que se admiram e se gostam tanto são como ela. Porque o sentido da vida é amor. E isso é tão óbvio e às vezes tão facilmente esquecido, desejar o bem ao outro, amar não importa o tempo que passe, não importa a distância que se esteja. Amar infinitamente. Por que a vida finda rápido.