quarta-feira, 29 de julho de 2009

Diana Grafite

About: Postando em Português a pedidos. Diana Grafite me ocorreu em 2008. É um dos meus primeiros contos. Eu alugava um quarto em São Gonçalo e estava sozinha no silêncio quando a ideia e as linhas surgiram. A versão original é horrenda e o título não veio assim tão fácil, mas esse até que eu acho sonoro. Depois melhorou, e foi publicado na Revista O Verbo, dos Novos Escritores do Brasil. Hoje, se fosse reescrevê-lo, faria diferente, principalmente o começo, mas agora que já publiquei dá preguiça de mexer de novo. Gosto muito desse conto, apesar de achar que é um dos mais sem-graça dO Verbo. Enfim, aqui vai o tal texto. Espero que agrade. Compre o seu exemplar da revista no site: http://www.clubedaleitura.info/


Diana Grafite

Começar era simples. Começava sempre pelos olhos: expressivos, claros, acinzentados. Um vislumbre daqueles olhos era o bastante para que ele a quisesse. Depois as sobrancelhas, modeladas, perfeitas... Uma curva ia para baixo e o nariz delicado. Linda. A boca era volumosa e abaixo dela um queixo firme. O maxilar delineava a face geométrica. Vê-la ali era como acariciar seu rosto.
Os dedos dele desciam do maxilar pelo pescoço até os ombros. Formas finas, fortes, delicadas. O indicador tocava o ombro e nele crescia uma sombra. Na parte intocada da pele permanecia alvura cintilante. Belos braços se formavam: seguindo desde o ombro até a axila. Um movimento curto e vertical. Depois os seios... Era como tocá-los com as pontas dos dedos... Um capricho e estavam nus. Círculos, círculos... Difícil esquecer deles. Um toque e um traço, o sombreado, e abaixo o umbigo: equilibrada forma na medida certa. Perfeito. Os dedos tocaram mais uma vez a fria pele branca, criando nova sombra. A cintura formou-se e era simples pensar nos quadris e vê-los prontos.
As pernas, longas, torneadas, cobertas por um cetim tão grafite que brilhava em prata à meia-luz do quarto. Joelhos, tornozelos, cada parte do corpo era um monumento, feito com imenso capricho. Os dedos do rapaz esfregavam a pele da moça com força, buscando talvez aquecê-la, e maior a força, mais escura a sombra na pele. Ela mirava-o. O olhar lascivo, divertido.
O rosto agora, a cabeça... Os cabelos com cachos largos pendentes, a franja desarrumada caindo sobre a testa, como as heroínas usam, e nos olhos, belos cílios compridos para emoldurar as íris tão cinza, tão grafite... Nas orelhas grandes brincos. No pescoço talvez um colar. Talvez não.
Estava linda. Estava pronta. Teria um pingente com a lua minguante e com ele um nome divino: Diana. Nascera Diana.
Diana o olhava. Os olhos cor grafite o invadiam, uma invasão típica das pessoas sem pudor. Ele sentiu necessidade de vê-la novamente.
Envolta em um lençol majestoso digno das esculturas gregas, Diana olharia para um céu que não se podia representar. Os belos ombros não ficariam ocultos. Um cordão com a lua jazeria pênsil da mão de Diana, seus cabelos seguiriam um vento sem cor. Abraçava agora o tecido como que abraçando a si. A expressão era de angústia. Estava perfeita mais uma vez.
Eventualmente ela estava nua, de costas para ele sob uma queda d’água, a transparência cairia, clara ao toque das mãos, os cabelos tocariam o ombro esquerdo, virados para frente. Impecável sombreamento na linha das costas. Era um deleite. Diana, Diana, Diana.
Imagens de Diana, sempre. Mesmo sem querer, ela aparecia em sua frente, partia dos olhos. Dianas grafite. Ele insistia em tentar dar-lhe profundidade, e a cada imagem Diana era mais real. Havia algo inegavelmente profundo na imagem, na densa Diana que ele ia, aos poucos, conhecendo. Ele não cansava de vê-la e fazê-la surgir. Mais e mais Dianas. Sempre voluptuosas, provocantes, lindas, divinas.
Duas Dianas se beijavam, ambas as deusas de olhos fechados. Diana exalava um prazer tenso, desejo irremediável. Calor. A primeira segurava os cabelos para trás, com a certeza de que estava linda, e Diana segurava a nuca da outra, seu beijo era fúria, força. Dianas congeladas no desejo eterno de consumirem-se a si mesmas. Tocavam-se, mas era só, e a dimensão desse toque era restrita.
“Mexa-se, Diana!” Ele ansiava por ela, esperava por uma oportunidade de transportá-la para perto de si, e a trazia. Onde quer que ele estivesse, ela poderia acompanhá-lo. Ele era Diana, e Diana seria sempre expressão, seria ele. Ele a unira a si, amaldiçoando a ambos. Criador e criatura. O olhar dele para ela, sempre. Era para isso que ela servia. O olhar dela para ele, porém, proibido pelas leis do universo.
Uma imagem, um desejo, o grafite sobre o branco papel e o papel de Diana: existir, ou quase. O toque dele era sincero, assim como dela o não sentir. O olhar era expressivo, e era ele o objeto expresso. Furiosa volúpia em grafite, e nele a falta de cor. Diana, a deusa sobre a folha. Ele se perguntava se ainda era o seu dono. Imagens que eram dele, que eram dela. E ele sentiu falta de quando a deusa era tudo, e esse tudo era o bastante.
Amar, desejar Diana era vergonhoso, era inexplicavelmente patético. Nele formou-se amargura, mais por não poder tê-la do que por desejá-la. Amargura necessária para que ela tivesse poder. O poder que a mulher inalcançável retém. O poder de uma deusa. Ele estava em suas lindas mãos. Sabia-se culpado.
A pele branca de Diana tornava-se amarelada, havia luz sobre ela, cada vez mais intensa, sua pele se aquecia. E, como todo o homem furioso em frustração, ele sentia prazer em assistir, em vê-la queimar, e o fogo a consumiu, pois algo tinha de fazê-lo. Adeus, Diana.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Presence

She went to the square where they used to meet. It was useless. She saw many people, but he was not there. What's the use, then? It was his smile that she wanted. The silence was killing her. Sometimes his voice spoke in her ear, perhaps she was crazy. She had never felt that way. She looked at herself, inside there was eagerness, urgency. Who was she to cause him anything? Who was she to make him wait? She was alone and felt disgusted by her own unrealistic thinking. For letting herself dream like that. She could take it. The urgency, the absence, those things she could live with, but she couldn't bear the silence...
Henry was discreet, he only came when she was alone. He always looked inside her dark eyes and smiled widely before kissing her. Once he sang to her.
Sometimes he was light, sometimes he acted in a protective way, she loved him in all the ways he had let her. There was no data, she didn't know anything very specific about him, but she had glimpses of his soul when she looked through his eyes. She had that gift. His soul was clear, in shades of blue. Like the Caribbean sea, his spirit was fresh.
Once he had made her a very peculiar resquest. "Describe me"- He said. She knew that it was dangerous, but she tried, after some time, a paragraph came out. "A man stares at the sky looking for something, and when he sees all those stars that never end he smiles, for he knows the world is his, as it is that moment. A warm tear strings down his cheek and it gets cold on his face. He is filled with emotions, but can't help feeling empty."
He was not 'a man', he was the fresh night and the tear, the sky and the stars. After describing she realized how sad the description was... She wanted to complete him, to be the missing part, to knot her fingers through his and make sure he wouldn't cry, or that he wouldn't cry alone.
"I love you"- He said. And she didn't know how to feel. Her love was bigger than she could have imagined, there were no limits, no boundaries, just pure and brutal love. What would she do with that love? That impossible, childish love for Henry, who disappeared now and then, who couldn't love her for being so much. For being perfect. That full-grown love that killed her inside, that made her suffer and write about hope and anticipation.
He was still looking at her. He waited. She was hoping he would come, but wasn't really expecting him. She didn't allow herself to dream that high. And now there was a sharp pain inside her chest as she said "I always..." she tried to go on, but there was no voice, no word capable of expressing it, there was nothing heavier or darker than that selfish emotion, that ambition of keeping Henry close, never letting him go. She didn't say it, because she knew he would leave. Was he testing her? She felt the tears coming. They were heavy, hard to keep inside. She didn't want to ask in vain, she didn't want to pronounce the words, but they escaped. "Don't leave me".
He embraced her. They talked for a while about many things. Anything except emotions. They had fun talking, it didn't have to be so tense, so exhausting to enjoy somebody's company. He made her feel special. He loved her. Maybe even the same way.
Eventually, he left. A little piece of him died every time he did it.
After watching him disappear in the night she spoke, to herself, a bit suicidal, "I love you".

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Aquela quarta-feira

Junho 17, 2009.
Acordei às 5:00. Às 7:00. Às 7:15. 7:20.
Levantei às oito e meia com um pouco de culpa. Tomei banho e lavei o cabelo com o xampu de tangerina com canela. Sensação de atraso. Enquanto eu esperava para pegar a condução - odeio essa palavra: condução. - minha cabeça ia leve em pensamentos simples dos quais não me lembro.
Uma menina de óculos ia passando, atravessava a rua do outro lado do cruzamento. Ela acenou para mim, deu-me um sorriso gratuito inclinando a cabeça para o lado com uma doçura infantil. Percebi que ela tinha síndrome de Down. Ela me chamou ao dobrar os dedos da mão com a palma virada para cima em sua direção. Eu sorri curiosa. Sorri e fiz que não com a cabeça. Que ficaria onde estava, obrigada. “Eu vou até aí então”. Ela veio até mim e me cumprimentou beijando-me as bochechas, eu não parava de sorrir, ela segurou uma mecha do meu cabelo ainda molhado e cheirou, “que delícia”, ela disse. Ela tinha os cabelos pretos lisos na altura dos ombros e sorria simples. Era linda. Depois ela falou que lutava boxe, e que adorava, a mãe vinha logo atrás dela, comentando, alegre. E foram embora em ritmo de quem tem tempo para gastar. E foi um momento tão singelo e delicado que peguei a Kombi e depois o ônibus pensando em escrevê-lo. Depois esqueci dele.
Cheguei ao trabalho não muito disposta à minha aula de meio-dia. Logo a coordenadora disse que iria assistir a minha aula. Ótimo. O nome dela é Alice. Ela reparou em coisas que ninguém havia reparado antes, nem eu. Falou de como eu tenho controle total do que acontece em sala, e que gostou de como eu lidei com um aluno difícil. Um dos mais difíceis que conheço. O nome dele é César. Ele tem suas manias. Alice notou que eu não sou dependente do livro e foi muito delicada ao apontar até mesmo coisas que eu esqueci de fazer. Fiquei um tempo me perguntando como alguém conseguia ser tão amável e doce.
A Cris apareceu lá no trabalho. Cristiane é uma amiga insubstituível que eu tenho, uma das mulheres que eu mais admiro. A tarde passou rápido e comprei duas blusas na Hering. Eu gosto dessa loja.
A aula de 18:30 foi boa. Um aluno chegou tarde. (40 minutos atrasado) e eu não deixei que ele assinasse presença. Ele reclamou de mim. A Mônica me falou. Ela trabalha na coordenação e ficou feliz por eu ter feito isso. Ela é engraçada, a Mônica.
Cheguei em casa e o computador estava ligado, não pude resistir à tentação da internet. Conversei com o Matteo. O Matt é o Matt e pronto. Não tenho muito a dizer sobre ele. Só sei que ele me derrete o coração com palavras bonitas.
Antes de dormir eu li o começo de Água Viva, de Clarice Lispector. Eu a amo. É incrível o que ela faz com as palavras. Essa admiração é estranha. Queria conhecê-la e dizer a ela que eu adoro o que ela escreve, e que a admiro. Pergunto-me se ela gostaria de saber. Ou de ter sabido em vida. Mas Clarice não precisa que eu ame o que ela escreve. O escrever para ela é uma força da natureza, a inspiração a carrega como uma enchente. Ela está à deriva das palavras que nela explodem. Eu escrevo sem parar e em linha, e muitas vezes eu repito palavras que corto na segunda vez que eu leio um texto. Tem um conto meu que eu adorava. Mas mexi tanto nele que acho que morreu. A palavra morre quando perde a essência, e a essência não consiste na verdade, mas na capacidade de se fazer acreditar. A essência é o talento dramático da palavra atriz.
Esse livro dela é um fluxo de pensamentos, queria poder escrever algo assim sem que digam que a estou copiando. Gostei do que ela disse sobre as violetas.
Hoje foi um dia bom. E agora escrevo linha ininterrupta. Pai, vem ler minha pseudo-crônica.