sábado, 10 de dezembro de 2011

Os olhos mais azuis do mundo

Hoje eu perdi uma amiga. Soube agora, pelo facebook, que Cris Mancuso faleceu. A princípio eu não acreditei, e liguei para o celular dela. Sua irmã atendeu e me disse que ela teve um infarto e foi cremada hoje pela manhã. Não sabia o que dizer, e disse que sentia muito, e eu sinto tanto...
A Cris era muito jovem. Era uma das pessoas mais generosas que já conheci. Ela era serena, ficava linda de cabelo curto e tinha os olhos mais azuis do mundo, com círculos azul-escuros em volta de suas íris azul-claras. Ela era minha amiga. Dessas amigas que te entendem completamente. Que conversam com você sobre tudo, que te dão apoio e cuja voz você sempre reconhece seja ela escrita ou pelo som. Que riem de você mesmo que te deixem com vergonha, por que sabem que você não vai se importar no final das contas.
A Cris falava baixinho e era gentil sempre. E eu me lembro de como ela pronunciava as vogais. Como por exemplo o "ei" da palavra "peixe". 

Ela adorava gastronomia, cozinhava muito bem. Sabia fazer bombons e ovos de chocolate. Uma vez ela fez pra mim. Lembro de como ela juntava as mãos quando estava nervosa, olhando para as unhas e franzindo a testa, lembro dela dirigindo, e lembro de como ela amava os gatos que tinha, e de como mexia no cabelo.
Ela adorava conversar, conversávamos horas e horas. E ela era tão especial. Uma pessoa que não conseguia jogar caixas de leite fora sem reciclar, uma pessoa que era tão doce, tão verdadeira... tão míope e engraçada. Ela era uma dama, uma pessoa sincera, de quem eu gosto muito. E dói demais a falta que ela vai fazer no meu futuro, os lugares em que ela não estará, as vezes em que não sairá comigo para um novo lugar (ou para um lugar antigo), as conversas que não teremos. Ela merecia coisas muito boas, talvez tão boas que esse mundo não possa oferecer a ela. Talvez por isso ela tenha tido que ir. Mas mesmo assim dói ter perdido essa amiga, essa mulher maravilhosa com quem cresci tanto, que me mostrou tanta coisa, com quem aprendi tanto. E ela era tão jovem e tão bonita, e hoje a beleza dela, sua voz, seus olhos, tudo ecoa dentro de mim, e é uma pena que o que sobrou da Cris esteja somente dentro de mim e das pessoas cujas vidas ela iluminou. Eu não mereço e não queria essa herança. Já perdi amigos, mas por futilidades e coisas que parecem estúpidas em um momento como esse. Essa é a primeira vez em que perco uma amiga tão próxima, tão íntima, para sempre. E como eu vou sentir a falta dela. Se ela estivesse aqui, brigaria comigo, me diria para parar logo com o drama, que estava tudo bem, e iria me abraçar consolar com sua voz tão baixinha e pequena "É, Lu... é fogo..." e é mesmo... Não existem palavras, só os ecos das palavras.

Vá com Deus, Cris, obrigada por tudo. Espero ter retribuído seu carinho ainda em vida, e de qualquer forma, nos veremos em breve. O tempo passa rápido. Vou cuidar para ir para um lugar tão lindo quanto o que você está agora, para que possamos conversar ainda muitas vezes. Você mudou quem eu era e foi um exemplo em muitas coisas. Eu me lembrarei de você sempre com todo o carinho. Eu te amei muito. Até.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

The taste of the (now) rotten fruit one did not try



It was a cloudy day and she was walking at her own pace. “No need to hurry. Not now.” She thought. It was pleasant to walk having trees around her. Her mind was floating back and forth between nothing and blurred thoughts she would not be able to remember even if she tried very hard. Forgetting what one thinks was hard, but do-able. Letting go of the pain, however, was impossible. She noticed a tree whose trunk was carved with dozens of names, maybe a hundred of them. Maybe more. She saw herself in that tree. She was the tree, carved with silent scars shaped as names of people who had been in her life once and forever on.

Her fingers touched one of the names. The writing was deep, quite visible and impossible to ignore. She felt sorry for the tree, as that name had been so mercilessly written on it. Illogically, she needed to let out one of the invisible names that had been carved into her core. She picked up a sharp stone and carved out of her the word “Nathan” on the trunk. As she had urged to be close to him for a more extensive time than what she could bare, her second instinct was to write her own name under it. Yet, something kept her from doing so. Instinctively, she walked towards a tree which stood right in front of the first one and there she wrote her name. Her name would watch Nathan’s from a distance, knowing she could never have him.

“Why does life have to ache?” Life was painful. It was exhausting. There were many things left unsaid. Things Nathan could have done, words she wanted him to have heard. Their moment had blossomed and grown mature as a fruit does. It had also turned rotten for no one had chosen to pick the fruit up. No one had been brave enough to taste it, and that fruit’s flavor would never be felt. It would never have a second chance to be as sweet as it could have been. Maybe some fruits are meant to rotten. Maybe it is their fate. All that was left now was the memory of something that could have been sweet to taste.

The fruit that is not chosen cannot complete its life circle. It dies from its rejection, it fails. Could a rotten fruit’s seed give life to a healthy one? Was love as fragile and ephemeral as she thought? All people were trees with invisible scars on them. A question that was constantly in her mind was if her name had been written on anyone as painfully as Nathan’s inscription had been to her. Did Nathan himself think of her?

Life was aching. Trees grow taller but cannot escape their roots. She was a prisoner. All people were.

terça-feira, 24 de maio de 2011

O bom, o mau e o humano

Ele contava mais uma vez a mesma história, falava de como a vida era injusta e como ele era bom demais para passar pelas dificuldades que insistiam em persegui-lo. A mesa estava cheia de conhecidos e amigos, e ele, é claro, tinha toda a atenção. Quando teve a chance, ela o segurou pela mão e, com seus olhos estreitos e firmes e a voz calma que sempre anunciava perigo: "Não fala mais disso não, vamos falar de outras coisas agora, de coisas melhores." Ele entendeu muito mais do que ela disse.

Dentro do ônibus, ele ouvia "Somewhere over the rainbow" e começou a fazer uma lista das melhores músicas suicidas.

Ela chorava sozinha, e não conseguia erguer a própria cabeça para se olhar no espelho. Concluiu que sentia vergonha de não saber ser alguém que não fosse ela mesma.

De longe , ela os vê abraçados e sabe que eles se amam, ela senta, a cabeça baixa, e se pergunta o motivo de várias coisas. Seu ceticismo fracassa e ela tem que admitir, pela primeira vez, que não controla o que sente. Um amigo a vê, ele sabe o que foi, ele também viu. Eles não precisam se falar.  Ele a empurra para o lado com o ombro e ela sorri por que sabe que ele não quer vê-la chorar.

Ele tem muito para dizer mas não diz.

Ela acha que aquele poema era pra ela. A música era pra ele.

Um dia ele a olha sorrindo e diz: "Acho que naquela época você salvou nossa amizade."

Ela pede desculpas pelo erro. A outra diz que precisa de tempo. Depois do tempo nunca mais seriam amigas e nunca mais foram. Ela acha que era pra ser assim mesmo.

"Você é uma melhores e mais generosas pessoas que já conheci." Ela disse. A outra sorriu.

Ele dissera que tentava não ficar chateado com ela, mas que era difícil. Doera ouvir, mas foi o que os salvou pela primeira vez. Ela sabia crescer.

Ela o vê e fica tão feliz que o abraça. Depois percebe que não podia.

Quando abre a pasta e tira as folhas sente o cheiro do perfume dela. Tem medo de aspirar demais e esgotá-lo.

Olha para a irmã e não se vê. Alguns minutos depois a ouve falar, e encontra a si na fala.

Ele diz que a ama. Ela sabe, ela vê. Percebe que crer é acreditar sem provas, e que amar precisa ser um pouco disso.

Vê fotos e se emociona. Haviam criado laços de amizade depois de adultos.

Eles não sabem o que está acontecendo de verdade, mas insistem em criar hipóteses.

A proximidade é extremamente perigosa para ela, que se pergunta o motivo de estar mais perto do que nunca.
Ela pede para ele mentir e ele não mente porque sabe que a verdade pode causar muito mais dano.

Eles dançam num lugar em chamas. Eles vão perder os sentidos.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Realidade

Encontrei uma foto na internet em uma coleção de fotos que parecem ter sido editadas mas não foram. É uma garota deitada no céu. Ela é real. Penso em versões da realidade e lembro-me da minha qualidade pisciana de confundir os dois, digo, o real e o que parece real dependendo do ângulo. Outro dia fiz um desenho de uma pessoa que caía em um grande buraco com nome de realidade. Achei que era eu. Não sabia o que aconteceria quando o tempo concluísse a minha queda. As quedas são dolorosas tamanha a facilidade do sonho para mim. Eu nunca busquei ser assim. Somos o que somos. Estou pensando nisso.




sábado, 12 de fevereiro de 2011

Saliva e Sangue

Começou com uma seringa. Nem chegou a doer, só sentiu umas picadas agudas. Depois de alguns minutos não sentia mais dor alguma, não sentia mais a pele, partes dela adormeciam como se mortas. Apesar do entorpecimento, sentia o peso, a força e a vibração das coisas.

Deixou os olhos bem abertos, olhava para a luz e tentava ver a si mesma no reflexo dos olhos que a olhavam. Sentia a própria pele sendo cortada e o sangue vazando como água que sai de calhas em chuva furiosa. Nada podia fazer. Suas mãos pesavam e apesar de todos os seus instintos nada fazia. Uma mulher sugava o sangue com um tubo pequeno e a outra a empurrava com diversos objetos que ela não conseguia identificar, mas sabia que era com muita força. "Isso vai doer quando a anestesia passar."

A médica usava as mãos para manter sua boca aberta, e depois de muito abrir e mexer, pegou um alicate. Ela sentiu o alicate segurar o dente e fechou um pouco a boca como a Dra. mandara através da máscara. A mulher então segurou o alicate e o forçou para baixo como quem abre a maçaneta de uma porta. Ouviu algo quebrar, e junto ao som veio a indomável sensação de que havia algo errado. Fechou os olhos, respirou pelo nariz "lembre-se de respirar, você não está respirando" disse a si mesma. A Dra. garantiu que não havia sido nada, era só o esmalte. A raiz estava intacta. 

A médica pediu ajuda à outra para abrir mais um pouco a gengiva e por isso ela visualizou uma grande abertura na própria boca. Sentia a saliva, a água e o sangue e tentou não engolir. Constantemente pensava que aquilo podia ser um tipo de tortura. Mais cortes, mais água, mais saliva e sangue, e enfim ela disse que não havia mais dente. Tinha acabado. Ela sentiu algo na boca, uma sensação exata de que seu enorme dente desenraizado estava pendurado por alguma pele na gengiva, olhou para a médica com olhos desconfiados, certa de que o dente estava lá, então a médica lhe mostrou o dente extraído, pedaços de gengiva cor-de-rosa ainda pendurados, quando sentiu de novo algo pendurado na boca, e instintivamente colocou a mão.

 Expirou em alívio ao sentir que nada mais era além do tubo que lhe sugava o sangue. A médica pegou uma longa agulha como nunca tinha visto e uma grossa linha preta. Não tinha acabado afinal. E não parecia que acabaria. Sentiu a gaze áspera na gengiva e na lateral da língua e era tudo muito desagradável, não sentia a agulha, mas observava a médica puxar e recolocar a linha incontáveis vezes. A médica lhe deu um algodão para morder. "A cirurgia foi ótima."-foi o que ela disse. Mas a paciente não podia rir do absurdo.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Eu não quero esquecer disso

São Gonçalo, 4 de janeiro de 2011. Era uma terça feira de chuviscos e céu cinza, e eu havia decidido ir ao mercado -aonde eu nunca vou- por que decidira melhorar definitivamente minha alimentação.

Voltando do mercado e me concentrando no peso das compras eu tinha esquecido da falta de rumo que havia me atormentado nos dias anteriores. Eu não havia me sentido completa em lugar nenhum, e aonde quer que eu fosse, não conseguia fugir de mim mesma. Meu maior fardo. As compras haviam conseguido afastar o pensamento e a falta de lar temporariamente. Sei que preciso encontrar meu lugar dentro de mim, mas nos últimos dias o meu interior era o lugar que eu mais queria evitar.

Ouvi um suspiro de cansaço ao meu lado e achei que era alguém da faculdade, dado o bairro no qual eu me encontrava. Olhei para o lado e uma mulher que eu jamais havia visto se desculpou, perguntando se me havia assustado. Respondi que não, que achava que o suspiro teria vindo de alguém conhecido, ao que ela, bem humorada, disse que não havia problema, que poderíamos nos conhecer.

Caminhávamos na mesma direção e fomos andando juntas enquanto ela falava das coisas que precisava fazer. Disse que ia resolver um problema com o namorado. Eu fiquei espantada com o tópico, achei que falaríamos de futilidades, mas em alguns minutos ela me contou a história de seu reencontro com seu amigo de infância, que ela não via há 30 anos e cujo sorriso era a única coisa da qual se lembrava. Me perguntou se eu tinha religião, o que é um ponto complicado para mim -o dom de acreditar, de crer não é uma virtude da qual eu possa me orgulhar- eu disse que não, e ela me disse ser espírita, o que me agradou. As pessoas que seguem o espiritismo me parecem muito equilibradas, e ela me disse que tinha total certeza de que esse homem era sua alma gêmea, disse que a alma gêmea é alguém com quem nos encontramos em várias vidas, que só existe uma e que pode demorar várias encarnações até que encontremos novamente essa pessoa. E se não estivermos prontos em uma vida, voltaremos em outra para aprender até que estejamos prontos para encontrá-la. Acho isso lindo. Eu já estava familiarizada com o conceito, mas foi interessante ouvir sobre o destino da forma que ela colocou. Nada é por acaso, ela me disse, afinal ela havia reencontrado esse homem agora, justamente quando pedira a Deus que acabasse com sua solidão e que quando Ele mandasse o homem certo lhe enviasse também um sinal. Ao ver o homem, ela havia tido taquicardia e quase desmaiado, e brincou que na próxima pediria a Ele para “pegar leve no sinal”.

Ela disse que não era mais adolescente para tremer e ter o coração disparando quando via alguém, e estranhamente eu sabia exatamente do que ela estava falando. Não acredito em muitas coisas, mas impedir manifestações exageradas de meus batimentos cardíacos tem estado fora do meu alcance há algum tempo. Ela disse ter 48 anos e se chamar Sandra, disse que morava algumas ruas mais a frente. Ela tinha enormes olhos azuis e um bom humor notável. Havíamos parado em frete a vila aonde eu morava para que ela pudesse terminar a história. Perguntou meu nome e o elogiou, quando nos despedimos eu desejei a ela e ao seu relacionamento profético tudo de bom, e desejei dentro de mim, de coração, que ela fosse muito feliz.

Talvez a quisesse bem porque soubesse que não a veria de novo. O fato é que me sentia imensamente grata pelo lirismo que ela despejara em meu dia chuvoso. Eu via as cores e todos os belos tons de cinza ao redor porque uma desconhecida se abriu para mim e falou de amor. Quando nos despedimos ela disse que 2011 seria um ano muito bom para mim “Você vai conquistar muita coisa”, foram suas palavras. Ela falava como se soubesse, como se tivesse visto acontecer, e apesar da minha dificuldade em crer eu acreditei.