domingo, 21 de dezembro de 2008

Rubem Fonseca pra viagem

Finalmente volto à Faculadade. Me inebrio na incrível atmosfera de conhecimento, e apesar do desânimo de todos, um sorriso meu se destaca de genuína alegria e sinto novamente a euforia de ser estudante, de ser desafiado... Mas não é disso que falarei. Para voltar à horta da minha mente, pego um ônibus, esse ônibus leva no mínimo duas horas de viagem... Se incomoda? Já me acostumei, vale à pena, nesse ônibnus o ócio já me deu inúmeros presentes. Vozes minhas que contam estórias, constróem personagens e se calam quando há algo de bom para se ler.
Nessa sexta-feira, uma amiga carregava consigo um livro de contos de um escritor que me fascinara alguns meses antes... Eu só tinha lido um conto de Rubem Fonseca. Não é preciso dizer que o livro obsceno (digo obsceno pois trás à cena o que normalmente fica na parte de trás do palco) foi parar nas minhas mãos. Devorei os contos, e descobri que apesar de separados, seguem um fluxo contínuo dessa obscenidade, responsável por desconstruir as estratégias usadas para ignorar as Secreções, Excreções e Desatinos que nós, humanos, temos.
Os contos são curtos e não perdem sua genialidade e maestria, são todos incomuns, falam de crenças que fingimos não ter, coisas que não temos orgulho de fazer ou pensar, e tem um ar de ficção que cai num quadro de como as pessoas são na vida real, onde o leitor pára de ler e dá um mudo sorriso. O que mais me fascina é a capacidade que ele tem de ser tão realista no discurso impróprio que ele não incomoda, não choca... O leitor só precisa saber como é o final. Um livro que não se lê, mas se devora, com todas as emoções que vêm ao ler o título.
Queria saber escrever assim... Mas... se não posso ler a mim mesmo, posso ler o Rubem. Esse tal de Rubem Fonseca. Sonoro, não?

terça-feira, 25 de novembro de 2008

O décimo quinto verso

Era uma folha em branco. Não tinha muitos amigos, diziam que ela era vazia. Sentia-se vazia, via-se vazia. Era imaculada no entanto, e ninguém poderia negar isso. Ninguém negaria isso.
O que a cercava era uma grande expectativa, porque nela caberia qualquer coisa. Palavra, imagem, pessoa, máquina, planos, plantas, rascunho... Ela era livre. Vaziamente livre. Podia ser nada, mas isso embasava todas as possibilidades. Possibilidade era melhor, muito melhor que ter uma função específica, previsível e perpétua.
Era melhor do que ser uma crônica ou conto, cheio de adjetivos mal empregados. Não queria ser um desperdício. Queria ser importante, protegida por importância. Como uma foto de alguém morto. Ninguém é cruel com a foto de alguém morto. Mas não queria receber olhares piedosos. Já sonhara em ser poética e efêmera, como o primeiro verso de um poeta, mas sabia que esse primeiro verso teria um destino infeliz: lixo. Porque o verdadeiro artista vê que seu primeiro verso não passa de carbono bruto. Poderia ser o décimo quinto soneto de um poeta experiente, mas não via lirismo nessa opção segura. E a cada segundo de vazio via que não cabia a ela escolher o seu destino. Caminhos são para serem traçados, mas ela não faria escolhas, não era um viajante ou andarilho, estava perdida e presa, presa não sendo, sendo o caminho, esperando. Esperava ser traçada, afinal, estava em branco. Uma carta de amor acaba molhada por lágrima solitária, e morre na beleza da desilusão... Não sonhava esse fim. Queria viver para sempre... Mas ainda era nada. Branco.
Ironicamente, tornou-se amarela ainda estando em branco, nada. Nenhum novo projeto, planta, máquina, palavra ou pessoa de peso começaria em uma folha amarelada, mesmo se em branco. Esperou infinitamente e numa terça-feira nublada viu-se preenchida. Nublado, ameaça de chuva. A criança, presa em casa, riscava com força o giz de cera sobre o amarelado, descontando a fúria da prisão. "Desenha uma casa bem bonita pra mamãe". Então ela seria uma casa... Nada mau, se a menina tivesse talento... Nunca quis ser uma casa de giz de cera, mas era melhor que rascunho... Folha de recados... E pensou na distância do flutuante vazio entre o que ela era e o que seria, quando tocada, seria outra, seria o que levasse do lado de fora..."Toma", e a menina a entregou para a mãe. Não teve tempo de entender o que era antes de ser amassada e arremessada na lixeira, então a voz da mulher se afastou, cada vez mais furiosa, e antes de perder a consciência..."Sou um rabisco".

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

É hora de mudar...
Tenho ouvido, visto, sentido muito isso...
Mudar, mudar... Mudança.
Para mim, as mudanças acontecem todos os dias, mas não vou me mudar agora, não de curso, nem de emprego, nem de cabelo... nada visível, nada tocável. Mudança. Está em toda a parte. Em todo o novo segundo, em cada "tique", cada "taque"... Eu não vou mudar tão cedo, mas faço novos planos, e planos são sempre inúteis, apesar de divertidos, e vou me entretendo conforme o tempo vai sendo arrancado de mim... Só me resta esperar pelo novo, queria que isso não fosse verdade, mas agora, na minha vida inerte, é tempo de esperar.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O não dito

Lingüística:

Linguagem X Língua

Linguagem: Gestos, olhares, sons, intonação, e às vezes palavras também.
Língua: Forma de organizar a Linguagem em um sistema.

As vezes o silêncio é parte da linguagem. O silêncio diz... Mas ainda não descobri o quê.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Passageiro de corredor

Descobri que gosto de andar de ônibus.

Percebi que o tempo está mais curto, e, cada vez menos eu escrevo.

Só quando estou nos ônibus da minha vida, eu paro e penso. Talvez por isso não seja passageiro de janela, mas de corredor. Egoísta que sou, olho para a paisagem interna a mim, as metamorfoses diárias, as conclusões que florescem para depois dar frutos, e, por um momento, eu escrevo uma frase no caderno mental: "ela era como um pássaro negro"... e veja só: o "era" de novo... Como sou previsível a mim mesmo... Mas, ainda gosto do que escrevo. Penso: "não posso esquecer essa frase..." E negrito no caderno mental.

Um fragmento de conto ali.

Um enredo aqui.

Um personagem, bem ali... Na minha frente.

Eles ficaram sem tempo... E eu também. Mas ainda tenho um caderno. E você?

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Feel-the-Song-moment

Um homem de voz de veludo fala comigo. As batidas no peito seguem ritmo de balada norte-americana. Você está comigo. Música de final de filme triste. Recomeço pós-fim, que emociona daquele jeito bonito e bobo. E você se dá até que não sobre nada.
A lágrima escorre, e se houvesse uma pessoa ao seu lado, seguraria a sua mão, e acharia bonito ver você chorando, por não saber que a lágrima sai por não caber em si.
Há um peso no peito que a música leva como um vento desenhado, como estar com as mãos para fora de um carro em alta velocidade. Ser o carro, ser a velocidade. E eu já não posso viver... com, sem você...
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A man with a velvet voice speaks to me. The heartbeats in an american ballad rhythm. You are with me. The song is from the end of a sad movie. Restart after an end, that gets us emotional in that amazing silly way. And you give yourself away.
The tear runs through your face, and if there was a person beside you, he/she would hold your hand, and would find it beautiful to see you cry, not knowing that the tear only falls for not fitting itself.
There is a weight in the chest that the song carries away like a drawn wind, like having your hands out the window of a car in high speed. Be the car, be the speed . I can't live... with, without you...

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Juíz de si mesmo

Sobre as pessoas:
Somos todos imperfeitos. Devemos, no entanto, saber como lidar com a consciência de nossas falhas sem conformar-nos com elas. Começa com humildade. Com a busca de tornar-se um ser melhor antes mesmo de exigir o melhor dos outros.
Muitas pessoas ressaltam os defeitos dos outros para enfatizar as próprias qualidades. A idéia é essa, mas isso não acontece. É um cilclo. Há um sentimento de superioridade temporário, mas à longo prazo, nos encontramos numa sociedade que não perdoa ninguém, e a culpa invisível cai em nossos ombros.
A verdade é que todos cometemos erros. Grandes erros. Todos julgamos nossos próximos. Mas, talvez, em outra ocasião, venhamos a cometer o mesmo erro que julgamos imperdoável. E, adivinhe só: a nós mesmos, perdoaremos.
Sempre tento não julgar as pessoas. Admito que é muito difícil, mas tentar me colocar no lugar dos outros é um exercício diário. E compensa.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Impessoal?

Dizem que o escritor (o artista) não é dono da sua obra. Ensinam isso na faculdade de Letras. Quando Carlos Drummond disse que sua preciosa pedra no caminho era somente uma pedra, denotativa mesmo, um mineral, isso não mudou a visão dos teóricos. Claro que existem formas de ver, de interpretar. Alguns pensam que se o autor não é o dono de sua obra, qualquer interpretação é válida. Obviamente, essa argumentação é inválida, pois a interpretação livre é, também, controlada. Assim como antes me disseram para não estudar a obra baseando-se na vida do autor. Mas ainda sim, alguns reflexos pessoais são inegáveis. Não descobri ainda porque isso me incomoda tanto.

No meio do caminho

"No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra"
(Carlos Drummond de Andrade)
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Existem duas formas de entender o poema, certo?
O caminho poderia ser uma rua, ou a representação da vida. A pedra poderia ser um desafio, um inconveniente, ou o único aspecto a ser lembrado nesse caminho, dessa rua na qual não se enxerga nada além de uma pedra.
O ponto é que não acho que exista literatura impessoal. E ao mesmo tempo, a literatura não é psicografia. É um trabalho. E é realmente inegável que há mais de uma interpretação. Quando descobrimos uma segunda interpreteção que cabe naquilo que escrevemos é uma surpresa boa. Significa que o texto é rico. Que há espaço para mais, sem ser sufocante naquilo que queremos, sem ser solto a ponto de fugir do que pensávamos em escrever. Eu me avalio duas vezes. Sou escritor, mas, mais do que escrever, eu leio. Leio sempre e repetidas vezes a mim mesmo. E a cada releitura me desgosto mais, vou ficando mais chato, implicante, crítico, e se há paciência, trabalho, lapido o texto, se não há, guardo o rascunho, escondendo a pedra bruta do mundo, é só a mostro lapidada.
Se acredito em inspiração? Não existo sem ela. Às vezes o texto vem, pronto na cabeça, sei o que e como escrever, mas sem inspiração ele não sai, estaca. As palavras não fluem em riacho, ficam em poça rasa. Inspiração ajuda muito, e ao mesmo tempo, a literatura é trabalho, a arte é pensada e medida, é um fruto. Mas esse fruto não paira no ar, ele precisa de uma árvore, de um caule. "An apple doesn't fall too far from it's tree" um filho não pode ser muito diferente do pai. "Um fruto não cai muito distante de sua árvore", e um texto não vai muito além de seu criador. O texto pode não ter semelhança com seu autor, mas tem um DNA. Eu, por exemplo, uso a palavra "era" o tempo todo. Já me disseram que são muitos verbos, que fica pesado. E esse meu pretérito imperfeito é uma chave sem ser chavão. É narrativa do momento que mal acaba de passar, quase presente pairando no ar... O corte já foi feito, mas ainda dói.
"era um pôr-do-sol..."; "era o momento" ; "era uma ressaca sem cheiro"; "era agora..."; "era..."; "era..."; "era..."
Faz parte do meu escrever. O estilo Machadiano tem traços fortíssimos, o meu tem "era". Escrever literatura é um prazer para os escrivões/escritores, escrever uma dissertação, um artigo, uma resenha... Isso é necessidade, é seguir um padrão. Literatura é fazer o seu padrão. O meu começa com "era...", e não tem nada de impessoal. Suar encima de um texto para que ele seja seu, suar por prazer não tem nada de impessoal. Nada mesmo.

Suando Frio

Não se dorme. O peso do corpo inteiro sobre o braço. Normalmente é confortável assim, deitar de lado. Devo pesar demais. Incomoda. Olhos para o teto. Cabeça apoiada, teoricamente tudo certo. Desconforto, ainda. O ventilador de teto está ligado. É daqueles que só tem duas pás, ventila, tudo certo. Sinto frio, o cobertor é de lã, aquece, como deveria ser. O corpo transpira, incomodado. Sem o cobertor é frio. Desconforto. Eu poderia desligar o ventilador, e abdicar o cobertor de lã, só que é estranho dormir sem ter nada cobrindo a gente...
Estranho. Não se dorme, o corpo fatigado, a mente exausta. A cabeça torturando o corpo, parece que, se eu realmente devesse dormir já teria dormido. É o meu corpo, e está exausto, gasto, carente de inércia, ou cansado pela inércia. Já dormi no chão, no calor, no frio... Cochilei em sala de aula, em banco de praça às quatro da manhã... já dormi com a luz acesa, com o som ligado, sem querer, sem precisar.
Preciso agora e não me vejo capaz. A culpa é minha. Contradigo as necessidades do meu corpo, subconsciente... culpa inegavelmente minha... o corpo é o meu, o sono também, se eu pego um livro pra ler, os olhos fecham, "involuntariamente", mas quando apago a luz e me deito de lado para dormir não consigo. O fluxo de pensamentos é espesso como a água de um rio lamacento, é há o barulho da água batendo nas pedras, nas perdas... Perdas.
Culpa minha. Vai ver é por isso que não consigo dormir. O peso da vida inteira sobre o braço. O mal-estar de suor por baixo da lã e por cima da pele. O mal estar da culpa por baixo da pele.