quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O que os professores querem

Dia do professor no Brasil

                Gosto de pensar que grande parte da população brasileira sabe, em teoria, o valor e a responsabilidade dos professores como classe trabalhadora. Vejo a participação das pessoas nas redes sociais, que fervorosamente defendem nossa classe, eles dizem: “todo o médico precisa de um professor”, “o professor é o profissional mais importante que existe”, e a lista continua. Entretanto, em todos os níveis sociais -formados de cidadãos que precisam e dependem enormemente desses profissionais- vejo o profissional de educação ser diminuído e menosprezado. Às vezes intencionalmente, às vezes ideologicamente, acidentalmente. Na própria frase a respeito do médico mora uma crença naturalizada de que o médico tem mais status social que o professor.
                Primeiramente, tive de ouvir: “todo mundo sabe que professor ganha pouco, portanto, se você quer ser professor, tem de se conformar com um salário baixo”.  Depois vi colegas professores dizendo que não encorajam seus filhos a seguirem o mesmo caminho. Durante um estágio obrigatório na faculdade, ouvi professores que almejavam desesperadamente sua aposentadoria. Tinham desistido da educação pública brasileira. É claro que sim. Quem pode julgá-los?
                Em contrapartida, há o discurso romântico, daqueles que orgulhosamente exclamam: “o professor trabalha por amor”, “tem que ter dom para ser professor”, etc. A esse respeito, minha humilde opinião é que ambos os discursos nos diminuem e atrapalham. Primeiramente, pasmem: o professor é um profissional tão importante quanto qualquer outro. Tão indispensável quanto o menosprezado gari quanto os portadores de alto status social tais como engenheiros, médicos, advogados. Alguns discordarão disso, porém vejo a sociedade como uma rede de pessoas que precisam umas das outras, e, através dessa perspectiva, todas as profissões são indispensáveis.
                Quando as pessoas insinuam: “nossa, uma moça tão brilhante, poderia ter sido qualquer coisa, foi escolher logo ser professora” sinto uma piedade da qual não compartilho. O professor não é um coitado. Não tenham pena de nós. Lutem por nós. Tivemos a coragem de escolher fazer o que queríamos. Acreditamos. Obviamente, há exceções. Muitos se acomodaram e, como em qualquer classe, muitos odeiam o que fazem. Mas gosto de pensar nos professores como profissionais que aspiram por um país melhor e querem fazer parte dessa mudança. Não queremos fazer caridade. Queremos condições de trabalho. Trabalhar sem medo de nossos alunos, trabalhar com um número que nos possibilite memorizar os seus nomes.
                Recentemente, ao estudar para um concurso público, reli alguns textos pedagógicos sobre o professor no Brasil e quais são suas responsabilidades sociais. Muitos não sabem, mas, além de dominar os conhecimentos específicos, há o papel social do professor enquanto estimulador e figura responsável por criar oportunidades para a formação de cidadãos, seres críticos e pensantes. Amigos, essa é uma responsabilidade enorme! O professor é cobrado como psicólogo, como fonte segura de informação, como exemplo social, como apresentador do mundo, como “tradutor” da realidade. E enquanto eu lia, eu pensava: “caramba, por todas essas funções é só isso que eles vão me pagar?”
                O professor não trabalha por dom. Existem técnicas para que ocorra a aprendizagem, para isso fizemos faculdade. Sim, há aptidão para o cargo, assim como o há para vendedores ou pedreiros. Professor não faz milagre. Precisamos de estrutura, de respeito, de condições de trabalho e de uma lei que nos proteja. Precisamos de pais que digam a seus filhos que nos respeitem, porque, sim, nós somos empregados, mas isso nunca deveria significar que não merecemos o mesmo respeito e cordialidade quanto qualquer outra pessoa. Hoje os pais dizem aos filhos que eles nos pagam e isso de alguma forma distorcida os dá o direito de nos desrespeitar. Eles, que nos pagam, o fazem pelo que temos a oferecer, e deveriam valorizar nosso trabalho. Esse é um problema enorme, que vai muito além da relação professor aluno, tendo a ver com as atribuições de valor em nossa sociedade. A educação tornou-se um produto, como se não fosse fundamental para a vida em comunidade.  
                Precisamos de uma escola que tenha regras reais que ofereçam respaldo e proteção aos professores. Tenho colegas que saíram de sala de aula chorando, que foram ameaçados de morte, vi vídeos de professores apanhando, de profissionais que passaram por situações degradantes. Quando colegas meus dizem que não recomendam a profissão a seus filhos, eu entendo perfeitamente. Não devemos deixar o trabalho nos envelhecer, nos torturar. No entanto, para mudar essa situação precisamos de pessoas brilhantes, pessoas que poderiam ter escolhido qualquer coisa e não por serem heróis ou caridosos, mas por acreditarem em futuro melhor, tenham escolhido a educação. Não podemos acreditar em utopias, mas tampouco podemos desistir da causa.
Todos supostamente sabem como é importante ter profissionais de qualidade na educação. Porém, ao anunciar que sou professora, recebo condolências. Um discurso marcado por preconceito e falta de esperança. Às vezes, confesso que me pego pensando se seria mais satisfeita em outra profissão. Não porque não goste do que faço, mas pela falta de reconhecimento que nós temos. Por esse maldito discurso que sugere que ser professor é uma escolha estúpida. Se depender do senso comum, a classe entra em extinção. Se entrasse, talvez as pessoas percebessem nossa importância, e talvez nos oferecessem condições de trabalho melhores, turmas menores, salários maiores. Tenho esperança de que um dia, quando disser que sou professora as pessoas digam, com sinceridade: “que bacana!” em vez de “sinto muito”.
Podemos dizer que o professor trabalha com amor, mas não trabalha por amor. A escolha da preposição faz toda a diferença. Não trabalhamos por caridade. Vendemos nossa força de trabalho como quaisquer outros profissionais e devemos ser pagos de acordo com as responsabilidades que nos cabem. Queremos sim comprar livros, mas tanto para lazer quanto para estudo. Queremos ir ao cinema, queremos ter uma vida digna, um salário digno. Nada que desequilibre a distribuição de renda nacional, um salário com o qual possamos viver sem muitas preocupações. Que nos pague alguns luxos ocasionais. Queremos o que todos deveriam ter. O gari e o médico.

O ano de 2013 para mim se apresentou com um ano surpreendente. As redes sociais, os holofotes sobre o Brasil, o aumento de renda dos brasileiros e quem sabe o que mais, nos proporcionaram uma população muito mais politizada, que sabe o que quer, que procura saber para onde seus impostos vão, que colabora entre si e que está buscando se informar melhor e reivindicar o que é seu por direito. Uma população que vai para a rua, sem medo de um governo agressivo, desonesto e hipócrita. Uma galera que está saturada de não ter nenhuma política pública de qualidade. Neste dia 15 de outubro, haverá uma manifestação pela educação. Para que no futuro, as escolas públicas nas quais investimos nossos impostos possam servir a nossos filhos com qualidade.  Essa luta é de todos nós, é minha, e por isso eu quero estar lá. Muda, Brasil!