sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Realidade

Encontrei uma foto na internet em uma coleção de fotos que parecem ter sido editadas mas não foram. É uma garota deitada no céu. Ela é real. Penso em versões da realidade e lembro-me da minha qualidade pisciana de confundir os dois, digo, o real e o que parece real dependendo do ângulo. Outro dia fiz um desenho de uma pessoa que caía em um grande buraco com nome de realidade. Achei que era eu. Não sabia o que aconteceria quando o tempo concluísse a minha queda. As quedas são dolorosas tamanha a facilidade do sonho para mim. Eu nunca busquei ser assim. Somos o que somos. Estou pensando nisso.




sábado, 12 de fevereiro de 2011

Saliva e Sangue

Começou com uma seringa. Nem chegou a doer, só sentiu umas picadas agudas. Depois de alguns minutos não sentia mais dor alguma, não sentia mais a pele, partes dela adormeciam como se mortas. Apesar do entorpecimento, sentia o peso, a força e a vibração das coisas.

Deixou os olhos bem abertos, olhava para a luz e tentava ver a si mesma no reflexo dos olhos que a olhavam. Sentia a própria pele sendo cortada e o sangue vazando como água que sai de calhas em chuva furiosa. Nada podia fazer. Suas mãos pesavam e apesar de todos os seus instintos nada fazia. Uma mulher sugava o sangue com um tubo pequeno e a outra a empurrava com diversos objetos que ela não conseguia identificar, mas sabia que era com muita força. "Isso vai doer quando a anestesia passar."

A médica usava as mãos para manter sua boca aberta, e depois de muito abrir e mexer, pegou um alicate. Ela sentiu o alicate segurar o dente e fechou um pouco a boca como a Dra. mandara através da máscara. A mulher então segurou o alicate e o forçou para baixo como quem abre a maçaneta de uma porta. Ouviu algo quebrar, e junto ao som veio a indomável sensação de que havia algo errado. Fechou os olhos, respirou pelo nariz "lembre-se de respirar, você não está respirando" disse a si mesma. A Dra. garantiu que não havia sido nada, era só o esmalte. A raiz estava intacta. 

A médica pediu ajuda à outra para abrir mais um pouco a gengiva e por isso ela visualizou uma grande abertura na própria boca. Sentia a saliva, a água e o sangue e tentou não engolir. Constantemente pensava que aquilo podia ser um tipo de tortura. Mais cortes, mais água, mais saliva e sangue, e enfim ela disse que não havia mais dente. Tinha acabado. Ela sentiu algo na boca, uma sensação exata de que seu enorme dente desenraizado estava pendurado por alguma pele na gengiva, olhou para a médica com olhos desconfiados, certa de que o dente estava lá, então a médica lhe mostrou o dente extraído, pedaços de gengiva cor-de-rosa ainda pendurados, quando sentiu de novo algo pendurado na boca, e instintivamente colocou a mão.

 Expirou em alívio ao sentir que nada mais era além do tubo que lhe sugava o sangue. A médica pegou uma longa agulha como nunca tinha visto e uma grossa linha preta. Não tinha acabado afinal. E não parecia que acabaria. Sentiu a gaze áspera na gengiva e na lateral da língua e era tudo muito desagradável, não sentia a agulha, mas observava a médica puxar e recolocar a linha incontáveis vezes. A médica lhe deu um algodão para morder. "A cirurgia foi ótima."-foi o que ela disse. Mas a paciente não podia rir do absurdo.