Dia do professor no Brasil
Gosto
de pensar que grande parte da população brasileira sabe, em teoria, o valor e a
responsabilidade dos professores como classe trabalhadora. Vejo a participação
das pessoas nas redes sociais, que fervorosamente defendem nossa classe, eles
dizem: “todo o médico precisa de um professor”, “o professor é o profissional
mais importante que existe”, e a lista continua. Entretanto, em todos os níveis
sociais -formados de cidadãos que precisam e dependem enormemente desses
profissionais- vejo o profissional de educação ser diminuído e menosprezado. Às
vezes intencionalmente, às vezes ideologicamente, acidentalmente. Na própria
frase a respeito do médico mora uma crença naturalizada de que o médico tem
mais status social que o professor.
Primeiramente,
tive de ouvir: “todo mundo sabe que professor ganha pouco, portanto, se você
quer ser professor, tem de se conformar com um salário baixo”. Depois vi colegas professores dizendo que não
encorajam seus filhos a seguirem o mesmo caminho. Durante um estágio obrigatório
na faculdade, ouvi professores que almejavam desesperadamente sua
aposentadoria. Tinham desistido da educação pública brasileira. É claro que
sim. Quem pode julgá-los?
Em
contrapartida, há o discurso romântico, daqueles que orgulhosamente exclamam: “o
professor trabalha por amor”, “tem que ter dom para ser professor”, etc. A esse
respeito, minha humilde opinião é que ambos os discursos nos diminuem e
atrapalham. Primeiramente, pasmem: o professor é um profissional tão importante
quanto qualquer outro. Tão indispensável quanto o menosprezado gari quanto os
portadores de alto status social tais como engenheiros, médicos, advogados.
Alguns discordarão disso, porém vejo a sociedade como uma rede de pessoas que
precisam umas das outras, e, através dessa perspectiva, todas as profissões são
indispensáveis.
Quando
as pessoas insinuam: “nossa, uma moça tão brilhante, poderia ter sido qualquer
coisa, foi escolher logo ser professora” sinto uma piedade da qual não
compartilho. O professor não é um coitado. Não tenham pena de nós. Lutem por
nós. Tivemos a coragem de escolher fazer o que queríamos. Acreditamos.
Obviamente, há exceções. Muitos se acomodaram e, como em qualquer classe,
muitos odeiam o que fazem. Mas gosto de pensar nos professores como
profissionais que aspiram por um país melhor e querem fazer parte dessa
mudança. Não queremos fazer caridade. Queremos condições de trabalho. Trabalhar
sem medo de nossos alunos, trabalhar com um número que nos possibilite
memorizar os seus nomes.
Recentemente,
ao estudar para um concurso público, reli alguns textos pedagógicos sobre o
professor no Brasil e quais são suas responsabilidades sociais. Muitos não
sabem, mas, além de dominar os conhecimentos específicos, há o papel social do
professor enquanto estimulador e figura responsável por criar oportunidades
para a formação de cidadãos, seres críticos e pensantes. Amigos, essa é uma
responsabilidade enorme! O professor é cobrado como psicólogo, como fonte
segura de informação, como exemplo social, como apresentador do mundo, como “tradutor”
da realidade. E enquanto eu lia, eu pensava: “caramba, por todas essas funções é
só isso que eles vão me pagar?”
O
professor não trabalha por dom. Existem técnicas para que ocorra a
aprendizagem, para isso fizemos faculdade. Sim, há aptidão para o cargo, assim
como o há para vendedores ou pedreiros. Professor não faz milagre. Precisamos
de estrutura, de respeito, de condições de trabalho e de uma lei que nos
proteja. Precisamos de pais que digam a seus filhos que nos respeitem, porque,
sim, nós somos empregados, mas isso nunca deveria significar que não merecemos
o mesmo respeito e cordialidade quanto qualquer outra pessoa. Hoje os pais
dizem aos filhos que eles nos pagam e isso de alguma forma distorcida os dá o
direito de nos desrespeitar. Eles, que nos pagam, o fazem pelo que temos a
oferecer, e deveriam valorizar nosso trabalho. Esse é um problema enorme, que
vai muito além da relação professor aluno, tendo a ver com as atribuições de
valor em nossa sociedade. A educação tornou-se um produto, como se não fosse
fundamental para a vida em comunidade.
Precisamos
de uma escola que tenha regras reais que ofereçam respaldo e proteção aos professores.
Tenho colegas que saíram de sala de aula chorando, que foram ameaçados de
morte, vi vídeos de professores apanhando, de profissionais que passaram por
situações degradantes. Quando colegas meus dizem que não recomendam a profissão
a seus filhos, eu entendo perfeitamente. Não devemos deixar o trabalho nos envelhecer,
nos torturar. No entanto, para mudar essa situação precisamos de pessoas
brilhantes, pessoas que poderiam ter escolhido qualquer coisa e não por serem
heróis ou caridosos, mas por acreditarem em futuro melhor, tenham escolhido a
educação. Não podemos acreditar em utopias, mas tampouco podemos desistir da
causa.
Todos supostamente
sabem como é importante ter profissionais de qualidade na educação. Porém, ao
anunciar que sou professora, recebo condolências. Um discurso marcado por
preconceito e falta de esperança. Às vezes, confesso que me pego pensando se
seria mais satisfeita em outra profissão. Não porque não goste do que faço, mas
pela falta de reconhecimento que nós temos. Por esse maldito discurso que
sugere que ser professor é uma escolha estúpida. Se depender do senso comum, a
classe entra em extinção. Se entrasse, talvez as pessoas percebessem nossa
importância, e talvez nos oferecessem condições de trabalho melhores, turmas
menores, salários maiores. Tenho esperança de que um dia, quando disser que sou professora as pessoas digam, com sinceridade: “que bacana!” em vez de “sinto muito”.
Podemos dizer
que o professor trabalha com amor, mas não trabalha por amor. A escolha da preposição
faz toda a diferença. Não trabalhamos por caridade. Vendemos nossa força de
trabalho como quaisquer outros profissionais e devemos ser pagos de acordo com
as responsabilidades que nos cabem. Queremos sim comprar livros, mas tanto para
lazer quanto para estudo. Queremos ir ao cinema, queremos ter uma vida digna,
um salário digno. Nada que desequilibre a distribuição de renda nacional, um
salário com o qual possamos viver sem muitas preocupações. Que nos pague alguns
luxos ocasionais. Queremos o que todos deveriam ter. O gari e o médico.
O ano de 2013
para mim se apresentou com um ano surpreendente. As redes sociais, os holofotes
sobre o Brasil, o aumento de renda dos brasileiros e quem sabe o que mais, nos
proporcionaram uma população muito mais politizada, que sabe o que quer, que
procura saber para onde seus impostos vão, que colabora entre si e que está buscando
se informar melhor e reivindicar o que é seu por direito. Uma população que vai
para a rua, sem medo de um governo agressivo, desonesto e hipócrita. Uma galera
que está saturada de não ter nenhuma política pública de qualidade. Neste dia 15
de outubro, haverá uma manifestação pela educação. Para que no futuro, as
escolas públicas nas quais investimos nossos impostos possam servir a nossos
filhos com qualidade. Essa luta é de
todos nós, é minha, e por isso eu quero estar lá. Muda, Brasil!