Era um bebê
de pele branca, grandes olhos escuros e cabelos muito negros. Um guri de
sorriso sem dentes, que vinha fácil. Caras de indignação e mau humor às vezes
também se firmavam em sua tez expressiva. Sobrancelhas unidas, olhos
transbordantes. Transbordavam de alegria e tantas outras emoções efêmeras que
um bebê pode experimentar.
Depois foi
um garotinho engraçado, com dentes de leite arredondados, cabelinho penteado para
o lado e uniforme do flamengo. Os adultos tentavam fotografar enquanto chutava
a bola de futebol. Gritavam gol e celebravam, ele era o sorriso da casa, o pequeno
rei do jardim da avó, que se tornava gramado, e chinelos marcavam as traves de
um gol sem goleiro.
Cresceu
mais um pouco, e gostava de atenção e de brincar mais do que de brinquedos.
Gostava das pessoas, da tia, das primas que eram obrigadas a fazer tudo o que
ele queria, porque eram mais velhas. Reclamava e cobrava seu direito de rei da
casa, fazia queixa para a tia, dizia: “briga com elas que elas não querem
brincar comigo.” E ela brigava mesmo.
Largou o
futebol e abraçou o videogame. Jogava Playstation e se gabava das habilidades
que o pai tinha no jogo. E quando alguém gostava de algum brinquedo ou jogo ele
oferecia: “Você quer? Eu te dou.” E muito jovem aprendeu a ser generoso sem
ninguém ensinar. Ensinava a generosidade a crianças mais velhas sem sequer
saber que tal virtude portava esse nome. Sem saber o que era ser virtuoso. Sem intenção
de reconhecimento. Se doava por amor. Por querer expressar amor. Por ter
nascido sabendo o que muitos passam a vida toda sem aprender: sabia que as
coisas materiais não tem valor algum. Sabia sem sabê-lo. Era inocente e livre
das correntes que nos prendem às coisas que se compram. Prendia-se aos que o
amavam. Mesmo sendo um menino, era muito nítido para ele de quem gostava e quem
queria por perto.
Crescia
mais e não gostava de ver ninguém chorando. Ia perguntar o que tinha
acontecido. Ficava ao lado. Segurava a mão quando lhe diziam que não era nada.
Gostava de
ficar com os primos mais velhos, gostava de piscina, de marco-polo, de bola, de
frescobol. Perguntava sobre coisas que não sabia.
Adolesceu e
formava, aos poucos, as próprias opiniões. E, adolescente, passava a debater em
vez de perguntar. De tudo já sabia um pouco, e discordava de si mesmo de vez em
quando, o que é muito natural, é claro. Quando não podia ter o que queria,
abria mão do que já tinha para alegrar as pessoas que mais amava, como quando, no país do consumo, não conseguindo comprar seu desejado eletrônico, em vez de procurar outra coisa, usou o dinheiro que guardara para presentear seus companheiros de viagem à Disneyworld.
Jovem,
experimentava, questionava e ainda questiona. Erra, descobre, se defende, não erra,
acerta, quer, como todos, ser reconhecido. Tem uma visão um pouco diferente da
que tinha antes sobre as coisas materiais, mas é claro: na vida se aprende a não
se dar tudo o que se tem, caso contrário seria um santo ou um tonto, e pra falar a verdade ninguém
gosta de nenhum dos dois.
Espero que
ele sinta, sem racionalizar muito, que a felicidade está em amar e receber amor,
ter a atenção de quem se ama. Pertencer. Pertencer ao grupo de amigos da
escola, pertencer a uma família que daria a vida por ele, fazer parte da vida,
parte da foto, parte do churrasco, parte da festa de fim de ano, parte da festa
do colégio, do aniversário da prima, do casamento do padrinho, da vida do pai e
da mãe, mesmo que essas sejam vidas diferentes. Espero que ele saiba que
palavras são muito importantes, que retém muito poder. Poder de consolar, de
alegrar, de transmitir o que há de mais belo dentro de nós, assim como o que há
de mais sombrio. Felizmente, temos o direito de escolher não falar. No
entanto, não falar o que há de belo para ser dito pode ser um grande desperdício
de afeto.
Do perdão também
se faz a felicidade, e da capacidade de, antes de tudo, perdoar a si mesmo.
Somente errando se pode evoluir, se pode fazer uma escolha melhor, se pode
acertar. E para evoluir, devemos ser gentis com nós mesmos em relação aos nossos
erros. Talvez não pudéssemos fazer nada melhor no momento, talvez não soubéssemos
das consequências das nossas ações e por isso deixamos que elas reverberassem.
Gostaria
que ele pensasse um pouco em como é bom saber que fazemos falta em algum lugar.
Que as pessoas perguntam por nós, que queriam nos ver, que talvez pudéssemos somar
ou contribuir para a felicidade de alguém que sente por nós somente amor. Que
algumas palavras, sorrisos e principalmente a nossa presença faz diferença para
alguém.
Talvez esse
não seja um conselho dos melhores, talvez não seja sequer um que eu possa me
gabar de seguir mas gostaria de dizer a ele que nunca economize palavras boas
para aqueles que mais merecem. Especialmente para pessoas que se importam com sua felicidade. Palavras vem de
uma fonte que dura enquanto estivermos vivos, talvez durem até depois de nossa existência
e o que podemos fazer é escolher as melhores palavras para deixar no
mundo. Acho que as pessoas ao redor dessa pessoa maravilhosa que ele é talvez
mereçam mais palavras, e talvez palavras melhores.
Ele tem um
enorme coração, e me orgulho muito de ter conhecido um guri assim, de ter sido
obrigada a brincar com ele, e de ter recebido inúmeras ofertas de brinquedos
que ele queria me dar e não aceitava para não me aproveitar de sua suposta inocência. Lembro de na época pensar que ele era bobo. Quando a boba era eu.